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O bizarro paradoxo quântico do 'tempo negativo'

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Tony Soprano está fumando um charuto, dirigindo para casa. Sua viagem começa em Manhattan, onde ele entra no Lincoln Tunnel, com destino a Nova Jersey. Como não há trânsito, ele passa pelo túnel em poucos minutos, emergindo à luz do dia.

Assim começa a conhecida abertura da série Família Soprano.

No mundo físico dos chefes da máfia, um evento segue o outro. Portanto, se Tony risca um fósforo para acender seu charuto, isso precisa acontecer antes que a ponta se acenda. Essa causalidade parece ser fundamental para a forma como vivenciamos o Universo.

No entanto, a nível quântico, o sequenciamento temporal não é tão claro ou intuitivo. Nos últimos anos, os físicos têm explorado alguns comportamentos muito intrigantes em escalas muito pequenas — alguns dos quais podem ser explicados, enquanto outros parecem questionar nossa compreensão do passado, do presente e do futuro.

Para se ter uma ideia, imagine que a abertura da série Família Soprano mostrasse um helicóptero do FBI, a polícia federal americana, observando Tony sair do Lincoln Tunnel — mas eles não conseguem entender o que estão vendo. Da perspectiva deles, o chefe da máfia sai do túnel antes de entrar. E quando os agentes do FBI olham seus relógios, constatam que ele passou uma quantidade negativa de tempo dirigindo entre Manhattan e Nova Jersey.

É claro que isso é impossível. No entanto, recentemente, físicos ganharam destaque no noticiário por medir uma duração de "tempo negativo". Em experimentos quânticos, eles enviaram pulsos de luz por meio do equivalente a um túnel — mas, assim como na intrigante jornada hipotética de Tony Soprano, os pulsos aparentemente passaram menos de zero tempo viajando.

E este não é o único exemplo desconcertante de estranheza temporal em escalas muito pequenas — outros teóricos acreditam que é concebível que algumas partículas possam até mesmo mudar o passado a partir do futuro, por meio de um efeito chamado "retrocausalidade".

No mundo quântico, parece que nossa compreensão do tempo rapidamente se torna, digamos, desordenada.

Um Atraso Negativo

Este ano marca 100 anos desde o desenvolvimento da mecânica quântica, e a Organização das Nações Unidas (ONU) designou 2025 como o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas.

No último século, os físicos exploraram todos os tipos de comportamentos incomuns no mundo quântico: entrelaçamento, superposição, incerteza e muito mais.

Um dos exemplos menos conhecidos é a maneira intrigante com que a luz atravessa barreiras, como nuvens de átomos. Na década de 1990, físicos dispararam fótons por uma barreira como um "pacote de ondas" – um feixe que descreve tanto a natureza de partícula quanto de onda da luz.

Curiosamente, o pico do pacote aparentemente emergiu antes de ele entrar — como um carro saindo de um túnel antes de entrar nele. Uma teoria anterior, de meados do século 20, havia previsto o efeito – hoje conhecido como "atraso de grupo negativo" – mas observá-lo experimentalmente era outra coisa, pois deveria ser impossível.

Isso sugeria que a luz poderia viajar mais rápido do que ela mesma, o que não faz sentido. Além disso, os eventos no tempo estavam aparentemente ocorrendo fora de ordem.

"Tivemos que encontrar uma nova maneira de conciliar isso com nossas ideias de causalidade", diz o físico Aephraim Steinberg, da Universidade de Toronto, no Canadá.

Nos anos seguintes, Steinberg e seus colegas propuseram que o pacote de ondas não estava viajando no tempo, mas se reorganizando para dar a impressão de que o efeito vinha antes da causa.

Para entender, imagine uma fila de carros dirigindo entre Nova York e Nova Jersey, diz Steinberg. Podemos imaginá-los como 100 Tony Sopranos, cada um dirigindo bem colado atrás do outro em um congestionamento. Eles representam fótons em um pacote de ondas.

A fila parte de Manhattan às 13h e, por volta das 13h30, o ponto médio deste "trem" de carros entra no Lincoln Tunnel – o pico do pacote de ondas. Você esperaria que esse pico saísse alguns minutos depois, mas, na verdade, ele já saiu do túnel – às 13h25. Tony Soprano, um aparente viajante do tempo.

O que pode estar acontecendo a nível quântico é que nem todos os fótons conseguem passar. Alguns, na analogia, parariam no acostamento ou retornariam; no experimento, eles são absorvidos ou ejetados por átomos dentro da barreira. Esse remanejamento faz com que o rastro dianteiro do pacote se reorganize em um novo pico, semelhante ao que está entrando.

"Os fótons não têm nenhuma identidade individual", explica Steinberg.
"É por isso que o túnel é puramente uma analogia, mas serve para mostrar que não há contradição com a causalidade."

Assim, o que parece ser uma violação das leis da física é, na verdade, uma reorganização do pulso de luz. Nenhuma partícula está experimentando tempo negativo, e não há viagens mais rápidas do que a luz.

Mistério resolvido? Não exatamente.

Uma Duração Negativa

Experimentos mais recentes do grupo de Steinberg acrescentaram uma reviravolta que ainda não pode ser explicada. Enquanto o estudo anterior observava um aparente atraso negativo – um pulso que saía de uma barreira antes de entrar – uma equipe liderada pela física Daniela Angulo Murcillo mediu uma duração negativa.

Atraso e duração parecem ser a mesma coisa: se o seu voo sofre um atraso, é o tempo que você passa esperando. Mas isso não parece ser o caso em escalas atômicas.

"A mecânica quântica diz que pode haver um processo – um evento – descrito por várias escalas de tempo", diz Steinberg.
"Você pode perguntar: 'quando [um fóton] chega?' ou 'quanto tempo ele passa na barreira?' e as respostas podem variar."

A medição negativa da duração adicionou uma nova camada de estranheza. Na analogia com o carro, Tony Soprano passaria menos que zero tempo no túnel – algo que não pode ser explicado pelo remanejamento de pacotes de ondas que justificou o atraso negativo.

"Quando a estranheza foi explorada na década de 1990, as pessoas deram sentido a ela. Mas, ao aprofundar, o mistério parece ser incontrolável. Há algo realmente paradoxal aqui", diz Josiah Sinclair, do MIT.

Fazer essa medição não é tão simples quanto ajustar um cronômetro, pois, diferentemente dos carros, os fótons não têm posição ou trajetória fixa.

"Uma percepção fundamental sobre a natureza dos fótons é que eles não possuem a mesma realidade dos carros", explica Sinclair.
"Não podemos etiquetá-los e rastreá-los."

Os físicos mediram o tempo gasto indiretamente, analisando a excitação dos átomos na barreira enquanto os fótons a atravessavam. É como tentar descobrir quanto tempo os carros passaram num túnel apenas medindo suas emissões.

"O mais chocante é que, ao medir o tempo que os carros ficam no túnel – usando, por exemplo, um monitor de monóxido de carbono – o dispositivo mostra minutos negativos", afirma Sinclair.
"Entendemos matematicamente por que isso acontece, mas não sabemos como interpretar fisicamente."
"Não há uma correspondência clara com o mundo que conhecemos. Então, dizemos: 'A mecânica quântica é simplesmente diferente'."

Retrocausalidade

Se isso já parece estranho, a mecânica quântica tem mais surpresas. Alguns teóricos propuseram que partículas podem mudar o passado a partir do futuro – um efeito chamado "retrocausalidade".

Embora essa ideia ainda não tenha evidência observacional nos experimentos de túnel quântico, ela é levada a sério pelos físicos, pois ajudaria a resolver a "ação assustadora à distância" – quando partículas entrelaçadas determinam instantaneamente propriedades correspondentes, mesmo estando separadas por grandes distâncias.

Imagine que, ao medir o giro de uma partícula entrelaçada, a propriedade correspondente da outra partícula é instantaneamente definida. É como se Tony Soprano tivesse um irmão gêmeo na Califórnia: se Tony pedir vitela em Nova Jersey, o pedido do irmão em Los Angeles instantaneamente se ajusta, embora os dois não possam ter planejado isso.

"É possível mostrar matematicamente que essas correlações não são explicáveis por uma causa comum no passado", diz a física Emily Adlam, da Universidade Chapman, na Califórnia.
"Parece que há um sinal instantâneo entre as partículas, algo que os físicos não acreditam ser possível enviar mais rápido que a luz."

Uma maneira de contornar esse problema é invocar a retrocausalidade, onde as informações passam não pelo espaço, mas pelo tempo. Se for verdade, uma partícula medida pode enviar informações ao seu passado – para o momento em que foi entrelaçada com seu par – e depois para o instante da medição. Na analogia, o pedido de Tony em Nova Jersey remontaria ao momento em que os gêmeos estavam no útero e seria então transmitido ao restaurante na Califórnia.

Esse conceito é contraintuitivo e parece trocar uma impossibilidade por outra – uma solução que pode abrir portas para paradoxos de viagem no tempo, onde alterar o passado modifica o presente. Porém, a mecânica quântica frequentemente desafia nosso senso comum.

Defensores da retrocausalidade argumentam que ela só parece improvável porque, em escalas macroscópicas, vivenciamos o tempo em uma única direção. Em escalas muito pequenas, as leis da física podem ser simétricas em relação ao tempo (com algumas exceções). E o problema da viagem no tempo só se aplica se a partícula fosse medida no passado – o que não ocorre, pois ela permanece em um estado quântico indeterminado.

Se isso for verdade, o Universo funcionaria de forma diferente do que imaginamos, com duas linhas do tempo essencialmente lado a lado. "Quando se fala em retrocausalidade, muitas vezes se imagina uma evolução para frente e outra para trás do Universo, duas setas causais independentes", diz Adlam.

"Este é um tipo de imagem dinâmica da retrocausalidade, com processos de avanço e retrocesso acontecendo em combinação."

Adlam, porém, duvida dessa visão, argumentando que ela pode levar a inconsistências e paradoxos. Ela propõe que a retrocausalidade é mais plausível se vivermos num "universo em bloco" – um modelo em que passado, presente e futuro coexistem num objeto quadridimensional, eliminando a ideia de fluxo temporal.

"Não há fluxo temporal. O tempo é apenas outra dimensão dentro do bloco, e não algo que se move."

Se este for o caso, chegamos à implicação mais perturbadora da mecânica quântica: assim como Tony Soprano, todos nós seríamos personagens de uma série cósmica, vivendo episódios com um futuro tão determinado quanto o passado. Enquanto você vive sua história, talvez seu final – o momento em que a luz se apaga – já tenha sido escrito.

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