Como teorias esotéricas que negavam a ciência ajudaram a criar o nazismo
Ministro da Propaganda do regime nazista, Paul Joseph Goebbels, um dos mais fanáticos ideólogos de Hitler, indicou em seu diário, em 23 de novembro de 1939, uma fonte curiosa de inspiração:
“Fui para a cama cedo. Passei um longo tempo lendo as profecias de Nostradamus, muito interessantes para nós hoje.”
Michel de Nostredame, o Nostradamus, foi um astrólogo e médico francês conhecido por coletâneas de profecias. Goebbels ainda registrou que discutiu com Hitler sobre elas, afirmando que o Führer estava “muito interessado”.
O esoterismo como parte da estrutura nazista
O historiador americano Eric Kurlander, autor de Os Monstros de Hitler, revela como o imaginário sobrenatural esteve presente no regime nazista.
Hitler teria lido o livro Magia: História, Teoria e Prática, de Ernest Schertel, com 66 marcações, incluindo trechos como:
“Satã é o guerreiro fertilizador, destruidor e construtor.”
“Aquele que não carrega sementes demoníacas dentro de si nunca dará à luz um novo mundo.”
Kurlander argumenta que, mesmo que Hitler não acreditasse literalmente em magia, ele compreendia seu poder simbólico e manipulatória.
Himmler e o ocultismo
Heinrich Himmler era um entusiasta da medicina alternativa e do ocultismo. Ele apoiava teorias como a cosmogonia glacial, que sugeria que luas de gelo influenciaram a história da Terra.
Himmler fundou em 1935 a Comunidade para a Pesquisa e o Ensino sobre a Herança Ancestral, que estudava desde bruxas até expedições místicas ao Tibete. O Instituto do Pêndulo buscava aplicações militares para a radiestesia.
Doutrinas esotéricas e o mito da raça superior
Doutrinas como teosofia, antroposofia e ariosofia influenciaram movimentos como a Sociedade Thule, precursora do partido nazista. Essas crenças sustentavam a ideia de uma raça ariana superior originada do Vale do Indo.
Segundo Kurlander, a suástica foi escolhida como símbolo por seu valor ocultista, e não apenas nacionalista.
O papel da pseudociência
Pseudociências foram promovidas institucionalmente. Além de radiestesia, o regime financiava astrologia, clarividência e experiências de telepatia, inclusive durante a Segunda Guerra Mundial.
A ciência era usada para justificar atrocidades como eugenia e experimentos com prisioneiros. Uma “ciência monstruosa” sustentava o genocídio com justificativas esotéricas.
Rejeição à modernidade
Kurlander explica que o esoterismo nazista foi uma reação ao Iluminismo e à Revolução Industrial, onde muitas pessoas inteligentes se sentiam frustradas com o materialismo e o secularismo modernos.
Formou-se um “movimento cultural” à procura de sentido no mundo espiritual. Essa reação gerou o que o autor chama de “imaginário sobrenatural”, que permeava ideias como telepatia, clarividência e medicina alternativa.
Da Alemanha ao mundo contemporâneo
O historiador traça paralelos com a atualidade. Ele cita o episódio de 6 de janeiro de 2021, quando conspiracionistas invadiram o Capitólio dos EUA, com figuras como o “xamã QAnon”.
Segundo ele, há um retorno a elementos folclóricos e esotéricos por grupos da extrema-direita, misturando ideias místicas com nacionalismo e negação da ciência.
Conclusão
O nazismo institucionalizou o ocultismo como nenhum outro movimento de massa no século 20. O esoterismo ajudou a dar sentido simbólico e justificar racionalmente o irracional, favorecendo o surgimento de uma ideologia que usava pseudociência para legitimar o horror.